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Histórias de água

O imaginário marítimo em narrativas brasileiras, portuguesas e africanas

by Kathrin Sartingen (Volume editor) Stefania Chiarelli (Volume editor)
©2023 Edited Collection 246 Pages

Summary

Existem muitas histórias de água contadas ao longo do tempo, tanto na literatura como na música, no filme e nas artes visuais. Neste livro, o leitor/a leitora se depara com a água em forma de rios, lagoas, riachos, ondas do mar e tantos outros caminhos aquáticos transfigurados em metáforas da imaginação, da memória, da transitoriedade e dos trânsitos. A intenção das reflexões teóricas reside em abordar estas narrativas dos imaginários brasileiros, portugueses e africanos a partir das teorias literárias e culturais. Esperamos que a soma destes escritos, a base dos diversos "textos-ilha", desenhe um possível mapa aquático que acolha vozes diversas, objetos flutuantes e trajetórias extraviadas entre Portugal, Brasil e África lusófona.

Table Of Contents

  • Cobertura
  • Título
  • Copyright
  • Sobre o autor
  • Sobre o livro
  • Este eBook pode ser citado
  • SUMÁRIO
  • Navegando em imaginários aquáticos: uma introdução às narrativas da água (Stefania Chiarelli/Kathrin Sartingen)
  • I. Águas do tempo, tempo das águas
  • 1 A presença do mar em Dom Casmurro: filigranas machadianas (Sonia Netto Salomão)
  • 2 Pode me chamar de água: esquecimento e vigilância na prosa de José de Alencar e Micheliny Verunschk (Stefania Chiarelli)
  • 3 Medeia: a bárbara do Mar Negro (Maria Fernanda Gárbero)
  • II. Memórias negras e o ventre dos navios
  • 4 Cantos de calunga grande (Giovanna Dealtry)
  • 5 Memórias submersas: o tráfico negreiro como crime fundador da América (Eurídice Figueiredo)
  • 6 Travessias: diáspora e migrância no romance Por cima do mar de Deborah Dornellas (Rita Olivieri-Godet)
  • III. Águas passadas, as mesmas águas
  • 7 Derivas e desvios: mareando na literatura e no filme português, brasileiro e africano (Kathrin Sartingen)
  • 8 Existir em deriva: outras viagens na literatura portuguesa (Silvio Renato Jorge)
  • 9 Relíquias do mar pós-imperial na poesia portuguesa de Ruy Belo a Jorge de Sousa Braga (Vincenzo Russo)
  • IV. Mapas de água
  • 10 Travessias de emigrantes italianos: entre a esperança e a tragédia (Adriana Marcolini)
  • 11 Ocupações espaciais, ocupações textuais: literatura, heterotopia e o direito à cidade (Leila Lehnen)
  • 12 Uma criança foge (Rosana Kohl Bines)
  • V. Entrevista com o escritor Milton Hatoum
  • VI. Autoras e autores
  • Obras publicadas na série

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Navegando em imaginários aquáticos: uma introdução às narrativas da água

Stefania Chiarelli/Kathrin Sartingen

Minha estirpe começou como o mar

sem nomes, sem horizonte,

com seixos debaixo de minha língua

e uma outra leitura das estrelas.

Derek Walcott1

Uma porta comum, com a pintura descascada, se move sobre as ondas, sem ponto de partida ou de chegada. Capturada em fotografia e vídeo por Santiago Vélez, a imagem integra a série “Portas ao mar” e faz parte do projeto Geopoética da água (2017)2. Tal cena traduz várias das questões discutidas neste volume: trânsito, fluidez e memória estão contidos na porta que desliza pelas águas sem rumo certo – ela surge como símbolo de algo que ficou para trás, seja uma geografia distante ou uma casa desfeita, aludindo à condição de milhões de pessoas, tanto no passado quanto na contemporaneidade.

Ao mesmo tempo, comparece como esperança para o que há de vir, aludindo aos motivos de muitos que se põem a caminho. Apesar do sentido inevitável de perda que tais errâncias acarretam, nos interessa identificar que algo ali resiste. A porta está de pé: não afunda, não se quebra. Na movência da paisagem líquida, ela carrega uma multiplicidade de sentidos que os ensaios aqui presentes evocam. Com esse objeto flutuante, podemos seguir viagem por entre palavras que pensam a água como lugar da vida e da memória, mas também na sua condição de espaço político marcado por assimetrias e violências históricas. Abrir essa porta nos permite interrogar questões fundamentais da atualidade, endereçando perguntas sobre todo um contingente de significados evocados por esse rico imaginário aquático. São muitas as travessias e os naufrágios.

←7 | 8→“O mar é História”, afirma Derek Walcott3. A partir dessa imagem da memória que condensa a dimensão poética e política do mar na visão do escritor caribenho, vale indagar o que significa narrar as águas hoje, pensando na perspectiva de tantas migrações, da perda de lar, da língua e da cultura. Também urge pensar o sentido da utilização dos recursos naturais entre tantas mudanças climáticas. Bem escasso neste século, a água se notabiliza por um acesso pouco democrático, e perguntar sobre sua partilha se faz mais do que necessário. Se, no âmbito global, as águas foram (e seguem sendo) um campo de batalha, escancarando desigualdades sociais e assimetrias, no cenário brasileiro, a tensão não é menor. Não parece gratuita a tarefa de ouvir esses relatos, de colocar nossa sensibilidade em sintonia com os ruídos e os silêncios que a natureza tem produzido.

Os textos e a entrevista aqui reunidos4, em suas diversas perspectivas, dialogam com um imaginário líquido. Espaço apropriado pela literatura e pela arte de todos os tempos, as águas surgem materializadas nas páginas de grandes criadores. Fazem-se presentes também como espaço geopolítico para se pensar diversos trânsitos: por elas se movem caravelas da expansão colonialista, canoas indígenas, navios negreiros, vapores de imigrantes, barcas de refugiados. O tempo pode separar essas embarcações, mas elas se encontram amalgamadas ao contar histórias de sujeitos em deriva.

O primeiro bloco, Águas do tempo, tempo das águas, se debruça sobre figurações das águas na literatura, seja na presença mítica do mar da tragédia helênica ou na consagrada prosa brasileira do século XIX, além do romance contemporâneo O som do rugido da onça. Compõem este módulo: “A presença do mar em Dom Casmurro: filigranas machadianas”, de Sonia Netto Salomão, “Pode me chamar de água: esquecimento e vigilância na prosa de José de Alencar e Micheliny Verunschk”, de Stefania Chiarelli e “Medeia: a bárbara do Mar Negro”, de Maria Fernanda Gárbero.

A diáspora negra e as referências a um passado escravista assumem importante espaço na reflexão que historicamente vincula água e morte. Desse modo, o navio negreiro surge como imagem incontornável do transplante forçado ←8 | 9→de tantos indivíduos para uma nova realidade material e cultural. A segunda parte, Memórias negras e o ventre dos navios evoca tais questões, nos textos “Cantos de calunga grande”, de Giovanna Dealtry, “Memórias submersas: o tráfico negreiro como crime fundador da América”, de Eurídice Figueiredo e “Travessias: diáspora e migrância no romance Por cima do mar de Deborah Dornellas”, de Rita Olivieri-Godet.

O mar é tema constante na literatura de língua portuguesa, e a questão da memória coletiva de um passado glorioso surge sob a forma de interrogação de uma tradição nessa literatura. Instaura-se, nesse sentido, uma poética da navegação5, nas palavras de Isabel Capeloa Gil, que perpetua o mar como imaginário tipicamente lusófono, evocando ao mesmo tempo sensações, sonhos, descobertas e saudades. De forma complementar, os ecos do imperialismo português presentes em narrativas contemporâneas portuguesas e africanas são pensados neste módulo, Águas passadas, as mesmas águas. Os textos refletem a permanência de questões ligadas ao colonialismo nas literaturas e nos filmes pós-coloniais, como evidenciam: “Derivas e desvios: mareando na literatura e no filme português, brasileiro e africano”, de Kathrin Sartingen, “Existir em deriva: outras viagens na literatura portuguesa”, de Silvio Renato Jorge e “Relíquias do mar pós-imperial na poesia portuguesa de Ruy Belo a Jorge de Sousa Braga”, de Vincenzo Russo.

O quarto bloco, Mapas de água, discute noções ligadas aos espaços diaspóricos e à reconfiguração de cartografias a partir de princípios como alteridade e mobilidade. Em um mundo em que o direito de migrar é negado a tantos, e em que a desterritorialização é para poucos6, como afirma o antropólogo argentino Néstor Canclini, os escritos propõem analisar os desafios políticos e éticos da hospitalidade e as dificuldades de franquear fronteiras burocráticas e formas de controle. Compõem esta parte: “Travessias de emigrantes italianos: entre a esperança e a tragédia”, de Adriana Marcolini, “Ocupações espaciais, ocupações textuais: literatura, heterotopia e o direito à cidade”, de Leila Lehnen, e “Uma criança foge”, de Rosana Kohl Bines.

Por último, apresentamos uma entrevista com Milton Hatoum, na qual o escritor manauara realiza vasto passeio a partir da simbologia da água na literatura ocidental, além de lançar um olhar sobre sua própria obra, atravessada por significativa paisagem aquática, como as chuvas, os igarapés e o porto.

←9 | 10→Neste volume, o leitor se depara com a água em forma de rios, lagoas, riachos, ondas do mar e tantos outros caminhos líquidos transfigurados em metáforas da transitoriedade e dos trânsitos. Existem muitas narrativas de água contadas ao longo do tempo, e nossa intenção reside em abordar contemporaneamente um tema que atravessa os séculos. São as nossas histórias de água, em que se fazem presentes o mar Mediterrâneo, paisagem lendária e decisivo espaço político-econômico para numerosas civilizações, além do mar Negro, lugar da travessia sangrenta de Medeia pelas águas do mundo grego. Surge também o Atlântico, cenário de tantas viagens movidas pela ganância e o lucro, bem como espaço de sonho e de vidas migrantes reinventadas, como aquelas que se movem pelas correntezas e redemoinhos do rio Grande (ou rio Bravo), entre México e Estados Unidos. Comparece ainda a força do discurso do rio-fêmea Isar; além da paisagem aquática da enseada de Botafogo e de Veneza, cidade da água, no mar ressignificado pela prosa machadiana.

Produzidos em meio à pandemia que afetou toda a humanidade, estes ensaios nasceram a partir de uma situação de insulamento pela qual muitos de nós passamos. Desdobrando a imagem trazida pelo crítico martinicano Édouard Glissant, esperamos que a soma destes escritos, eles mesmos constituindo textos-ilha, desenhe, ao seu modo, um pensamento arquipélago7, tirando proveito da dispersão para delinear um possível mapa aquático que acolha vozes diversas, objetos flutuantes e trajetórias extraviadas. Esses navios são também nossos, prontos para o embarque.

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I. Águas do tempo, tempo das águas

Mar,

Metade da minha alma é feita de maresia

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

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Sonia Netto Salomão

A presença do mar em Dom Casmurro: filigranas machadianas1

Uma gota de mar basta para criar um mundo e dissolver a noite.

(Gaston Bachelard)

Details

Pages
246
Year
2023
ISBN (PDF)
9783631891391
ISBN (ePUB)
9783631891407
ISBN (Hardcover)
9783631870112
DOI
10.3726/b20256
Language
Portuguese
Publication date
2023 (February)
Published
Berlin, Bern, Bruxelles, New York, Oxford, Warszawa, Wien, 2023. 246 pp.

Biographical notes

Kathrin Sartingen (Volume editor) Stefania Chiarelli (Volume editor)

Kathrin Sartingen é catedrática na área de Lusitanística e Hispanística (literatura e mídia) na Universidade de Viena, especialista em relações culturais, intertextuais e intermidiais, assim como autora de livros e artigos sobre cinema, teatro e literatura brasileiros, espanhóis, latino-americanos e luso-africanos. Stefania Chiarelli  é doutora em Estudos Literários pela PUC-Rio e professora de literatura brasileira na Universidade Federal Fluminense. Publicou livros e artigos sobre literatura brasileira contemporânea, com ênfase nas relações entre memória, deslocamento e alteridade.

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