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Espaços, tempos e vozes da tradução

Entre literaturas e culturas de língua portuguesa e língua alemã

by Kathrin Sartingen (Volume editor) Susana Kampff Lages (Volume editor)
©2021 Edited Collection 178 Pages

Summary

A tradução é tanto um recurso indispensável à sobrevivência, quanto o fundamento de novos mundos, materiais e imateriais. A dimensão ontológica e fenomenológica da tradução é desdobrada nos ensaios reunidos neste livro por pesquisadores dedicados à prática da tradução para dela extrair consequências teórico- críticas. Os textos aqui reunidos focalizam traduções intermediais, entre lugares físicos e figurados e entre línguas. Num mundo globalizado, onde novas mídias e linguagens surgem a todo instante, traduzir não só línguas mas também universos culturais complexos é tarefa a ser sempre de novo reproposta. É essa faceta da tradução que os textos desta coletânea apresentam a partir de uma renovada perspectiva que atualiza teorizações clássicas. A dimensão criativa e inventiva da tradução é mais uma vez lembrada e aqui apresentada como indispensável à superação dos desafios a vir.

Table Of Contents

  • Cobertura
  • Título
  • Copyright
  • Sobre o autor
  • Sobre o livro
  • Este eBook pode ser citado
  • Sumário
  • Espaços, tempos e vozes da tradução: Entre literaturas e culturas de língua portuguesa e língua alemã
  • Uma língua (in)existente: A poética de Yoko Tawada a partir da tradução de dois poemas da coletânea As aventuras da gramática alemã (2010) para o português (Monique Cunha de Araújo / Marianna Ilgenfritz Daudt / Gerson Neumann)
  • Exílio e exotismo:: Sob céus estranhos, de Ilse Losa e Daniel Blaufuks (Luis S. Krausz)
  • Contornos azuis: A escrita da percepção de Maria Gabriela Llansol Geografia de Rebeldes (Renata Bellicanta Pinheiro Sammer)
  • Sprechen, Sprache und Vielsprachigkeit in Mia Coutos Der letzte Flug des Flamingos (Werner L. Heidermann)
  • Itinerário de uma infausta tradução:: A mestiçagem brasileira em Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro e Elvira Vigna (Ângela Maria Dias)
  • Verzweigte Übersetzungslinien in der Eroberung von Flórida: Fidalgo de Elvas’ Relaçãm verdadeira (Romana Radlwimmer)
  • Sessões silenciosas:: Possibilidades estéticas da técnica (Maria Aparecida Barbosa)
  • Traduzir ruínas: Notas sobre um esboço literário de Kafka e um eco borgiano1 (Susana Kampff Lages / Kathrin Sartingen)
  • Traduzindo e interpretando as vozes dissonantes no túmulo de Rilke: Os obituários de Walter Benjamin e de Robert Musil (Kathrin Holzermayr Rosenfield)
  • Traduire l’origami: Une réflexion préliminaire sur la traduction visuelle en bande dessinée au Brésil (Dennys Silva-Reis)
  • Sobre os autores
  • Obras publicadas na série

Espaços, tempos e vozes da tradução: Entre literaturas e culturas de língua portuguesa e língua alemã

Espaços, tempos e vozes da tradução: com esta coletânea propomos o exame de obras de autores de expressão portuguesa e alemã sob o prisma de múltiplos deslocamentos subjetivos e espaço-temporais e das resultantes transformações operadas pela tradução enquanto processo transcultural e transdisciplinar. Com isso, busca-se ressaltar fluxos e passagens de uma cultura a outra, de uma língua a outra, em respeito ao dinamismo que caracteriza a prática da tradução. Busca-se assim, evitar as polarizações e as identidades estanques para obter, pelo contraste, figuras mais matizadas e mais sugestivas para uma reflexão no campo dos estudos da tradução, tal como realizados em diferentes constelações das letras e das culturas de língua portuguesa e alemã. Destacam-se aqui as noções de multilinguismo, multiculturalismo, hibridismo, que, de modos diversos, são aqui reelaboradas.

Tempo, espaço e pontos de vista – vozes – são desde sempre categorias centrais a orientar a reflexão sobre textos literários, como bem sabemos graças a, entre outros, estudos exemplares como os de Gérard Genette (1966) ou Paul Ricœur (1984/85). São precisamente tais eixos categoriais a dar ao tecido textual sua configuração, sua forma: vozes constroem espaços, instauram lugares ou mesmo, sobretudo em nossa contemporaneidade dos múltiplos trânsitos, desenham entre-lugares, espaços por definição intersticiais. Analogamente, múltiplas vozes encenam e remetem a múltiplos estratos e conexões temporais. Assim é também a cada nova tradução: incidindo de forma diversa sobre os diferentes eixos que sustentam cada obra, a tradução descobre novas camadas de sentido e abre novas perspectivas a partir do particular jogo de articulações formais e espaço-temporais do original, reconfigurando até mesmo a particular e necessária oscilação entre princípio e fim, encenada a cada novo texto e reencenada a cada nova tradução.

Neste contexto, a tradução é enfatizada como prática modelizadora, reconfiguradora, em suma, transformadora, pois, devido ao foco comum nos movimentos de fluxos e passagens, os textos aqui reunidos colocam em questão as culturas e línguas de origem e, consequentemente, as de chegada, questionando a delimitação rígida de culturas, gêneros e identidades. A tradução permanece sendo um poderoso instrumento de atravessamento e superação de fronteiras, ←7 | 8→bem como de invenção de novos espaços (físicos e virtuais), como demonstram, de diferentes formas e sob diferentes perspectivas, os textos desta coletânea.

Assim, algumas vozes da tradução aparecem sob a forma de uma “tradução intersemiótica ou transmutação”, segundo a conhecida distinção de Roman Jakobson ([1959] 1969). Logo, as vozes da tradução reúnem poemas-cinema, cores, onomatopéias e fotografias, tal como nos artigos de Luiz S. Krausz, Maria Aparecida Barbosa e Dennys da Silva-Reis. Trata-se, portanto, de reflexões em torno da tradução entre códigos sígnicos distintos e o papel da voz na concertação dos códigos verbais ou não verbais em deslocamentos transculturais e translinguísticos.

Espaços de tradução remetem aqui às fronteiras permanentemente transpostas entre línguas, códigos e lugares. Todavia, as fronteiras de uma língua estão, como as formas em sua acepção clássica, permanentemente abertas à transformação. Assim, os espaços dizem de territórios geográficos, mas também de mundos imateriais. No processo da tradução, por conseguinte, busca-se constantemente, através da língua, medir os espaços vividos, tanto os espaços originais/as origens como os fins/os lugares a chegar, e contrapô-los a um novo espaço, inventando um entre-lugar, espaço da tradução, como iluminam os artigos de Gerson Neumann/Monique Cunha de Araújo/Marianna Ilgenfritz Daudt, Werner Heidermann e Romana Radlwimmer.

Desse modo, a tradução permanentemente reinventa novas vozes e novos espaços, à medida que aproxima códigos sígnicos, territórios e corpos. Mas ela dá um passo além, trabalhando também ainda os tempos da tradução. Abrindo mão dos pontos de partida e de chegada, da previsibilidade das origens e dos fins, a tradução convida-nos a conhecer novas temporalidades. Assim, interessa-nos os topoi, enquanto pontos aglutinadores de um tempo que não passa, mas que complexifica e intensifica um lugar comum intraduzível. Este lugar intervalar é ocupado e habitado por diversas metamorfoses, destinadas a ocupar as diferentes etapas temporais, como demostram os artigos de Ângela Dias, Renata Bellicanta Pinheiro Sammer e Susana Kampff Lages/Kathrin Sartingen.

Vozes: Tradução entre códigos sígnicos distintos

O texto de Luis S. Krausz, Exílio e exotismo: Sob céus estranhos, de Ilse Losa e Daniel Blaufuks, reflete não apenas sobre a distância temporal e seus efeitos ←8 | 9→sobre obras de mesmo título, mas, ainda, como as distintas formas nas quais se apresentam texto e imagem traduzem um tema comum. Deliberadamente escolhendo o mesmo título do livro já clássico de Ilse Losa, o fotógrafo e artista plástico português de origem judaico-alemã Daniel Blaufuks publica em 2007, 43 anos após a publicação do livro homônimo de Ilse Losa (1964), seu Sob céus estranhos. O ensaio de Krausz toca assim na tradução da experiência do exílio para a palavra e para a imagem, mas também na tradução da palavra para a imagem e vice-versa. O modo como a tradução transforma por meio de uma operação recriadora e termina por abolir origens e fins é evidente nesse processo. Ao fim, os temas do exílio e do exotismo se ramificam e se complexificam, evidenciando a relação complementar entre os livros de Losa (texto literário) e de Blaufuks, uma coleção de imagens esparsas, memórias pessoais e objetos recolhidos ao acaso.

De maneira semelhante, o ensaio de Maria Aparecida Barbosa, Sessões Silenciosas: Possibilidades Estéticas da Técnica, propõe pensar a partir do livro do poeta Ivan Goll, Chapliniade (1919), a característica propensão da forma à abertura, da qual brota o “poema-cinema” (Kinodichtung). Assim, oferece uma reflexão sobre a tradução das imagens do cinema e de seu movimento para a literatura e o modo como esse experimento amplia as fronteiras da compreensão sobre o literário colocando em questão – como deixam evidente os “poema-cinema” – as fronteiras entre diferentes manifestações artísticas. Além de constituir uma interessante revisitação do contexto das vanguardas do início do século XX, a partir de um livro que propõe uma nova forma para o objeto livro, em que tempo e espaço são neutralizados graças a uma nova forma experimental, a do poema-cinema, o estudo de Barbosa traz uma interessante conexão de Goll com o modernismo brasileiro. Também o ensaio de Dennys Silva-Reis, Traduire l’origami: une réflexion préliminaire sur la traduction visuelle en bande dessinée au Brésil (Traduzir o origami: Uma reflexão preliminar sobre a tradução visual de quadrinhos no Brasil) explora as possibilidades da tradução entre imagens geradas em sistemas linguístico-culturais distintos. Silva-Reis coloca a questão, aparentemente simples, a respeito da possibilidade de se traduzir imagens independentemente de haver uma codificação verbal que lhes corresponda. Para Silva-Reis, essa questão se justifica pelo fato de que – mesmo numa tradução intersemiótica – continuamos a supervalorizar os códigos verbais em detrimento de outras formas de comunicação não-verbal como é o caso da linguagem gestual.←9 | 10→

Espaҫos: Origem, fim e entre-lugar

O tema do exílio explorado no artigo de Krausz traz à discussão a origem e o fim: A terra natal (Heimat) e o lar (Heim), lugares de origem, são contrapostos ao incômodo (das Unheimliche) gerado pelo – outro – lugar de chegada. Nesse sentido, o ensaio redigido a seis mãos por Gerson Neumann, Monique Cunha de Araújo e Marianna Ilgenfritz Daudt, Uma língua (in)existente: A poética de Yoko Tawada a partir da tradução de dois poemas da coletânea “As Aventuras da gramática alemã” (2010) para o português mostra o estranhamento decorrente do uso do processo de tradução como recurso privilegiado da criação poética. Contrariamente ao exílio vivenciado pelas personagens e pelos autores de Sob céus estranhos, a autodenominada “exofônica” escritora japonesa Yoko Tawada alega ter se metamorfoseado durante a viagem de trem que a levou do Japão à Alemanha à medida que consumia a água de novos territórios. Tawada sobressai-se pela destreza com a qual escreve em alemão, língua para ela estrangeira, assim evidenciando a natureza criativa de uma poética que se alimenta de um constante e paradoxal trabalho – como na tradução – de identificação e estranhamento. Como posto no ensaio, a obra de Tawada (bem como a tradução de seu mais recente trabalho para o português) evidencia a abstração com a qual nos referimos comumente aos conceitos de gênero, identidade, língua e cultura, concretizando uma existência na qual o devir entre culturas, línguas e espaços compõe uma nova realidade, um entre-lugar mais afeito às exigências do mundo atual. Nesse sentido, as fronteiras da língua não constituem barreiras, mas peças de encaixe, como ocorre na tradução. Além de ressaltar aspectos importantes da tradução, o ensaio traz ainda um interessante testemunho do processo de tradução dos textos de Tawada do alemão (tingido de japonês, por vezes de holandês) para o português.

Ainda ao redor dos lugares intervalares, o ensaio de Werner Heidermann, Sprechen, Sprache und Vielsprachigkeit in Mia Coutos “Der letzte Flug des Flamingos” (Falar, Língua e Multilinguismo em “O último vôo do Flamingo” de Mia Couto), lembra-nos que falar é interpretar como reconhece a personagem de Couto: -- “Entendo a língua, mas não o mundo.” Assim, revive uma questão cara à atual reflexão sobre processos migratórios e seus desdobramentos, segundo a qual as línguas e as linguagens deixam de ser locais para abarcar, por intermédio de uma constante tradução, mundos diversos. A língua está enraizada no solo, compõe uma aliança inquebrantável com o mundo que diz e no qual habita. Dessa perspectiva, a tradução não acontece apenas de uma língua a outra, mas de um mundo a outro, de uma dimensão a outra, de um sentido a outro. Heidermann explora os inúmeros e notáveis neologismos de Couto ←10 | 11→evidenciando os encaixes possíveis entre língua e mundo e a tarefa da tradução como paradoxal transformação indispensável à preservação.

Details

Pages
178
Year
2021
ISBN (PDF)
9783631850404
ISBN (ePUB)
9783631850411
ISBN (MOBI)
9783631850428
ISBN (Hardcover)
9783631836736
DOI
10.3726/b18188
Language
Portuguese
Publication date
2021 (July)
Keywords
Letras alemãs e austríacas Romanística Germanística Literatura Comparada Teoria Literária Intertextualidade Letras de expressão portuguesa Teoria da Cultura Cinema Fotografia
Published
Berlin, Bern, Bruxelles, New York, Oxford, Warszawa, Wien, 2021. 178 S., 12 farb. Abb., 26 s/w Abb.

Biographical notes

Kathrin Sartingen (Volume editor) Susana Kampff Lages (Volume editor)

Susana Kampff Lages é professora de Literatura de expressão alemã (graduação e pós-graduação) e literatura comparada (pós-graduação) da Universidade Federal Fluminense (Brasil). É tradutora de Franz Kafka e Walter Benjamin e autora de livros e artigos sobre literatura e tradução. Kathrin Sartingen é catedrática na área de Lusitanística e Hispanística na Universidade de Viena, especialista em relações culturais, intertexuais e intermediais, assim como autora de livros e artigos sobre cinema, teatro e literatura brasileiros, espanhóis, latino-americanos e luso-africanos.

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