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Cinema de migração em língua portuguesa

Espaço, movimento e travessia de fronteiras

by Kathrin Sartingen (Volume editor) Esther Gimeno Ugalde (Volume editor)
©2021 Edited Collection 138 Pages

Summary

O cinema como imagem ou contra-imagem, como narrativa ou contra-narrativa da vida real não ficou indiferente às movimentações e ondas migratórias globais. Nas últimas décadas, as representações de experiências migrantes e diaspóricas têm adquirido uma posição relevante nas narrativas cinematográficas.
Este livro propõe uma aproximação teórica ao conceito do assim chamado «cinema de migração». Além disso, acompanha as reflexões a respeito de alguns dos exemplos mais notáveis do cinema de migração em língua portuguesa, analisando diversos exemplos de Portugal, Brasil, Moçambique, Angola e Cabo Verde. Finalmente, discutem-se novas tendências como o «cinema de migração poliglota», os seus «espaços intermitentes» e «paisagens faladas» para desembocar na constatação que são «as fronteiras que nos fazem».

Table Of Contents

  • Cover
  • Title
  • Copyright
  • Sobre o autor
  • Sobre o livro
  • Este eBook pode ser citado
  • Índice
  • Cinema de migração: tentativa de uma aproximação teórica (Kathrin Sartingen e Esther Gimeno Ugalde, Universidade de Viena)
  • Lisboetas ou não-lisboetas – eis a questão. Reflexões a respeito de um cinema de migração (Kathrin Sartingen, Universidade de Viena)
  • Cinema de migração poliglota: Lisboetas e Viagem a Portugal de Sérgio Tréfaut (Esther Gimeno Ugalde, Universidade de Viena)
  • Práticas documentais e a Lisboa pós-colonial: Juventude em marcha de Pedro Costa (Robert Stock, Universidade Humboldt de Berlim)
  • Quartos reais e imaginários: os lugares de memória da comunidade luso-cabo-verdiana no cinema de Pedro Costa (Iván Villarmea Álvarez, Universidade de Coimbra)
  • Karim Aïnouz: a temática migratória no cinema brasileiro e o filme como meio migratório (Bernhard Chappuzeau, University of West Bohemia / Humboldt-Universität zu Berlin)
  • As fronteiras que nos fazem: migrações para a Europa e espaços portugueses na cinematografia do século XXI (Júlia Garraio, Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra)
  • Autoras e autores
  • Obras publicadas na série

Kathrin Sartingen e Esther Gimeno Ugalde

←5 | 7→ Cinema de migração: tentativa de uma aproximação teórica

Em tempo de guerra, qualquer buraco é trincheira.

(Ditado popular português)

Têm sido diferentes as intenções e motivações que levaram, ao longo dos séculos, as populações a migrarem de um lugar para o outro, de um país a outro, de uma cultura, língua, religião a outra. Nem sempre os motivos de migração de fuga, de exílio, de diáspora têm sido uma guerra ou um combate; muitas vezes, as razões de pôr-se a caminho têm sido económicas, religiosas, políticas, étnicas, etc. Em todos os casos, por mais diferentes que sejam, um facto sempre as uniu: a procura de uma “trincheira”, como diz o velho ditado popular português, isto é, o desejo de sobreviver, de achar um lugar mais apropriado, de procurar uma vida mais digna. Para isto, até qualquer “trincheira” serviria para melhorar a situação pessoal, familiar ou coletiva.

As inúmeras ondas migratórias das últimas décadas, ocorridas em contínuos deslocamentos transnacionais de populações diversas à volta do mundo, têm provocado importantes alterações no tecido social e na identidade cultural dos respetivos países, assim como nas relações entre eles. Segundo a Organização Internacional para as Migrações, em 2019 o número de migrantes à volta do mundo, ou seja, pessoas residentes num país diferente do seu país de nascimento, chegou aos 272 milhões, 51 milhões mais do que em 2010. Enquanto muitas pessoas migram por eleição, outras fazem-no por necessidade. Assim, no mundo há atualmente cerca de 68 milhões de pessoas deslocadas à força, incluindo mais de 26 milhões de refugiados1, 3,5 milhões de requerentes de asilo e mais de 41 milhões de pessoas deslocadas internamente2, sem esquecer o ←7 | 8→ elevado número de migrantes indocumentados ou em situação irregular, que se encontram num limbo legal, ficando numa situação de maior vulnerabilidade3. A crise dos refugiados é, sem dúvida, um dos episódios mais trágicos da nossa História recente e, desde 2015, tem sido reconhecida pela União Europeia como a maior crise humanitária desde a Segunda Guerra Mundial.

Estes movimentos e deslocamentos refletem-se também no cinema. Nas últimas décadas, as representações tanto de experiências migrantes e diaspóricas, quanto de encontros interculturais, têm adquirido uma posição relevante nas narrativas cinematográficas em diferentes contextos (Berghahn / Sternberg 2010, p. 2). Por sua vez, estes fenómenos têm despertado um interesse académico cada vez maior. Uma boa amostra são os vários livros que têm sido publicados a partir de diversas tradições académicas nos últimos anos e que se têm focado em marcos culturais e geográficos diferentes: em países como por exemplo Espanha, França ou Itália4 ou em regiões como a Europa ou os países de língua espanhola e portuguesa5.

Como sugerem Daniela Berghahn e Claudia Sternberg, o cinema centrado na migração coloca questões relativas à construção da identidade, desafia mitos nacionais e etnocêntricos e revisita narrativas históricas tradicionais (ibid.). No entanto, estas autoras optam por diferenciar entre o “migrant cinema”, criado por realizadores imigrantes da primeira geração, e o “diasporic cinema”, feito por realizadores da segunda ou terceira geração (cf. Berghahn / Sternberg 2010, p. 16). Yosefa Loshitzky, pelo contrário, não estabelece uma diferença entre “migrant” ou “diasporic” cinema; ela define o “migrant/diasporic cinema” como o realizado por sujeitos migrados/diaspóricos, distinguindo-o do cinema ←8 | 9→ hegemónico “made by the symbolic representatives of the host/receiving societies” (Loshitzky 2010, p. 9). Por último, dentro do grupo dos assim chamados “accented filmmakers”, Hamid Naficy abrange tanto realizadores exilados (“exilic filmmakers”), como realizadores diaspóricos (“diasporic filmmakers”) e realizadores pós-coloniais (“postcolonial ethnic and identity filmmakers”) (cf. Naficy 2001, pp. 10–17). Para este crítico, o cinema “acentuado/destacado” compreende todos os realizadores exilados ou diaspóricos que trabalham com narrativas de identidades e transgressões de fronteiras geográficas, nacionais, culturais, linguísticas e (meta-)cinematográficas:

Accented cinema [is] the cinematographic work of exiled or diasporic directors, whose productions share formal traits and narratives, themes, questions of identity and modes of production [and which] cuts across previously defined geographic, national, cultural, cinematic and meta-cinematic boundaries.

(Naficy 2003, p. 207)

Apesar destas classificações e denominações “migrant cinema”, “diasporic cinema”, “accented cinema”, etc. – não serem completamente equivalentes nem sequer sempre semelhantes, coincidem no facto de maioritariamente serem protagonizadas por personagens em movimento, em processo de migração, em busca de exílio, de terra, de espaço, de um novo lar (Heimat).

Details

Pages
138
Publication Year
2021
ISBN (PDF)
9783631851586
ISBN (ePUB)
9783631851593
ISBN (MOBI)
9783631851609
ISBN (Hardcover)
9783631810323
DOI
10.3726/b18252
Language
Portuguese
Publication date
2021 (June)
Keywords
Filme Estudos culturais Portugal Brasil Moçambique Cabo Verde Pós-colonialismo Transculturalidade
Published
Berlin, Bern, Bruxelles, New York, Oxford, Warszawa, Wien, 2021. 138 pp., 2 fig. b/w.

Biographical notes

Kathrin Sartingen (Volume editor) Esther Gimeno Ugalde (Volume editor)

Kathrin Sartingen é catedrática na área de Lusitanística e Hispanística na Universidade Viena, especialista em relações culturais, intertexuais e intermidiais, assim como autora de livros e artigos sobre cinema, teatro e literatura brasileiros, espanhóis, latino-americanos e luso-africanos. Esther Gimeno Ugalde é atualmente pós-doutoranda na Universidade de Viena e especialista em relações culturais e interliterárias, cultura visual e estudos de tradução na Península Ibérica.

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